Respostas simples para questões complexas?

Prof.ª Doutora Isabel do Carmo
20/01/23
Respostas simples para questões complexas?

Leia o artigo de opinião da Prof.ª Doutora Isabel do Carmo, endocrinologista e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, acerca da facilidade quer na partilha, quer no acesso à informação pela internet de diversas temáticas, notificando para uma abordagem mais focada para a literacia em Saúde e centrada num maior rigor científico.

Na Saúde há uma invasão de respostas simples nas redes sociais e em muitos livros de autoajuda expostos nas livrarias. Respondem a questões complexas.

Em muitas destas soluções está o chamado pensamento mágico e irresponsável. Tal como os atuais partidos populistas, afirmam o que as pessoas querem ouvir, por ser fácil, estar à mão e corresponder ao sofrimento de cada um e aos seus protestos. Nunca falham porque não executam e ninguém lhes pede responsabilidades. Assim se comportam também os que espalham boas notícias a respeito da saúde das pessoas.

Julgava-se no princípio do século XX que a alfabetização abria um universo de conhecimento, que seria um salto na investigação e na análise da realidade. É certo que o foi, nos países desenvolvidos, e o acesso à instrução constituiu um grande salto para a divulgação da ciência.

Mas eis que surge algo que vai ainda mais longe e que traz efeitos colaterais. A modificação das redes de energia e a ciência informática ultrapassaram o papel e o telefone. Actualmente as redes sociais estão perto de atingir 4 mil milhões de utilizadores, ou seja cerca de metade da população mundial. O Facebook, o Youtube, o Instagram, somam milhões, a fonte de origem são os EUA e os “doutores” Google e Youtube substituíram os dicionários e as enciclopédias, com a vantagem de terem actualização rápida. E não há dúvida que todos nós conseguimos obter ao minuto qual o ponto da investigação científica sobre determinado assunto, quando consultamos sites sérios e revistas científicas. Foi um enorme salto, que se aplicou bem no conhecimento ao combate à pandemia.
Todavia… não são esses sites que são consultados por quem quer respostas simples e fáceis.

E é assim que se espalham conselhos para os problemas de saúde mais complexos e mais prevalentes. Não faltam conselhos para a Obesidade, para a diabetes, para o cancro, para o cólon irritável, para as doenças neuro degenerativas, para as várias doenças da tiroide. Curiosamente há sempre estabelecimentos comerciais que vendem o tipo de produtos que fazem parte dos “conselhos”, ou vendem-nos online. “Suplementos” e “produtos naturais” fazem parte do pacote. Já se vai pouco à bruxa ou ao vidente. Só mesmo em caso de desespero. Vai-se à internet … E a partir daí “dizem que”… Quem é que diz? Para a coisa vir bem embrulhada, a explicação para os “conselhos” é feita em termos científicos. Por exemplo: a pessoa sofre de doença da tiroide? “A hormona da tiroide, a tri-iodo-tironina, que vai penetrar nas células contém iodo”. Logo deve tomar iodo, ou comer algas. E isto é o tratamento “natural”, “não contém químicos”. Como se o iodo fosse sobrenatural e não fosse químico. E portanto, seja hipotiroidismo, seja hipertiroidismo, seja um nódulo, aí temos a pessoa a comer algas ou a tomar iodo, nuns frasquinhos que se vendem numa loja especial ou são manufacturados algures. E o pior é que isto atinge sobretudo a camada de grupo etário ainda jovem e com formação universitária.

De facto há um núcleo de estruturas e mecanismos da natureza, seja micro, seja macro, que nós já conhecemos, depois há muita matéria que rodeia esse núcleo e de que só conhecemos uma parte e ainda um nível mais exterior que desconhecemos e só acertamos empiricamente, experiência científica, atrás de experiência. É exactamente nestas zonas nebulosas que o pensamento mágico atua, com soluções mágicas, mas gratificantes para os ouvidos que as esperam. Algumas são simples: “Coma nabos, que dizem que faz bem.” Outras, não são assim tão mágicas, têm origem numa agência oculta, que as coloca parcialmente aqui e acolá, saltam para as redes e cá vão. Imparáveis.

Tudo isto nos obriga a ser mais pedagógicos com os doentes. Explicando. “Checando” a informação, para usar linguagem mais anglófila. E obriga-nos a ser mais humildes também. “Checando” as nossas “certezas”, porque pode haver novas e comprovadas investigações. Essas sim, seguindo o método científico.

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